Por João Bizário
A relação médico-paciente mudou. Evoluímos do modelo paternalista para uma relação de parceria. Hoje, o paciente é visto como sujeito ativo, com direito a informações e participação nas decisões. A comunicação clara, o uso de linguagem compreensível, o compartilhamento de opções terapêuticas (decision sharing) e o uso de tecnologias, como telemedicina e prontuários eletrônicos, foram componentes centrais para esta mudança.
Está cada vez mais claro que a empatia e o cuidado humano fortalecem a relação terapêutica, aumentam a confiança, melhoram a comunicação e promovem engajamento do paciente no tratamento. Isso facilita a adesão, a partilha de informações relevantes e a participação em decisões compartilhadas, o que pode refletir em melhores desfechos clínicos, manejo de sintomas e satisfação com o cuidado.
Revisões sistemáticas e estudos observacionais associam maior empatia do médico a maior satisfação do paciente, melhor adesão ao tratamento, menor dor e sintomas relatados, além de padrões de uso mais apropriados dos serviços de saúde. Embora o tamanho do efeito varie, a tendência de benefício é consistente.
Dentro do curso de medicina, as instituições vêm incorporando formação em comunicação, ética, empatia e medicina centrada no paciente com módulos de comunicação, aulas sobre história do paciente, uso de atores/pacientes simulados, prática de escrita reflexiva e componentes de humanidades (narrativa, literatura, artes) para situar o cuidado no contexto do paciente. Projetos de serviço comunitário ajudam os alunos a vivenciarem fatores determinantes sociais da saúde e programas de internato longitudinais com experiências centradas no paciente fortalecem a identidade profissional com foco humano.
A incorporação de competências humanísticas molda atitudes profissionais desde a formação básica até a residência. Avaliações de comunicação, feedback formativo, portfólios reflexivos e experiências com pacientes reforçam a empatia, resiliência, tolerância às incertezas e a ética nas decisões clínicas.
Ao atender um paciente, observações de sinais não-verbais como humor, linguagem corporal, contexto social, suporte familiar, condições de vida, fé e crenças, estresse, saúde mental, hábitos de sono, alimentação e rede de apoio precisam ser levados em consideração. A avaliação biopsicossocial amplia o diagnóstico e orienta intervenções mais eficazes.
Ao ouvir histórias, identificar padrões de comportamento, narrativas de dor e fatores ambientais e sociais, podem surgir hipóteses diagnósticas adicionais como, por exemplo, condições psicossomáticas, transtornos mentais concomitantes e fatores de risco sociais. A prática narrativa facilita hipóteses que vão além da queixa principal e abre espaço para investigações complementares.
Quando um paciente se sente à vontade, confiante naquele que o está atendendo, ele tende a transmitir melhor suas dores e aflições. A confiança fortalece a aliança terapêutica e aumenta a disposição do paciente de relatar sintomas, medos e impactos da doença. A qualidade da aliança é um preditor consistente de desfechos terapêuticos em psicoterapia e em cuidados médicos variados.
Hoje, a medicina tem se tornado cada vez mais integrada, o que significa tratar o paciente como um todo – bio, psico, social e espiritual – e integrar equipes multiprofissionais que trabalhem de forma coordenada. Modelos como o “padrão médico com foco no paciente” (medical home), método clínico centrado na pessoa e práticas colaborativas entre profissionais de saúde são pilares. Essa é uma tendência crescente. A prática integrada envolve times interprofissionais com médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos e assistentes sociais juntamente com uma comunicação eficaz, prontuários compartilhados, planos de cuidado co-construídos com o paciente e familiares quando apropriado, além de avaliação contínua de resultados. A educação para prática colaborativa é enfatizada em diretrizes internacionais.
Neste contexto, o papel das instituições de ensino é formar profissionais capazes de pensar de forma crítica e ética, com competências para comunicação eficaz, empatia, responsabilidade social e trabalho colaborativo. Isso envolve currículo integrado de ciências básicas, clínica, humanidades, ética, direitos do paciente, cidadania em saúde e experiências com a comunidade.
Nossa grande responsabilidade, como médicos, é garantir cuidado ético, equidade, dignidade e bem-estar do paciente, ao mesmo tempo reconhecendo o papel social da medicina na promoção de saúde pública, redução de desigualdades e justiça. O médico deve atuar com princípios de beneficência, autonomia, não maleficência e justiça.
*João Bizário é Médico Mestre e PhD pela FMUSP de Ribeirão Preto e Universidade Paris V – França e Diretor Acadêmico da Inspirali.
Confira o texto postado na Revista Medicina SA