Especialista da Inspirali explica a relação entre os sentimentos e processos de cura ou piora da imunidade
Mesmo sem comprovações científicas a respeito, é certo dizer que o amor contribui muito para a cura, assim como também é capaz de causar diversos transtornos à saúde de um indivíduo. Pegando como gancho a chegada do Dia dos Namorados, a Inspirali, ecossistema que atua na gestão de 15 escolas médicas em diversas regiões do Brasil, convidou o médico psiquiatra e professor na Universidade Anhembi Morumbi, Dr Caíto Alves, para explicar melhor sobre essa relação entre os sentimentos e a saúde. Confira:
- As emoções podem afetar a saúde física de uma pessoa? Como?
R: Sim, as emoções exercem influência direta sobre o corpo, pois o cérebro regula os sistemas endócrino e imunológico e está integrado a eles. Emoções desconfortáveis intensas e prolongadas — como ansiedade, tristeza ou raiva — elevam a liberação de cortisol, adrenalina e noradrenalina. Essa resposta de estresse é esperada e normal quando é transitória, porém, se mantida por muito tempo, pode suprimir o sistema imunológico (reduzindo linfócitos, inibindo citocinas anti-inflamatórias), aumentar a pressão arterial e o risco cardiovascular, prejudicar o ritmo biológico (digestão, o sono e o metabolismo – favorecendo obesidade e resistência à insulina), contribuir para quadros inflamatórios crônicos e, por fim, favorecer transtornos mentais, como depressão e ansiedade.
- É possível uma pessoa ficar doente após sentir uma tristeza muito profunda?
R: Sim. Uma tristeza intensa — como o fim de um relacionamento duradouro ou o luto por um(a) parceiro(a) — pode atuar como gatilho para um episódio depressivo ou outro transtorno psíquico. Isso é mais provável quando coexistem outros fatores de risco, como histórico familiar de transtornos mentais, uso de álcool ou outras substâncias, estilo de vida disfuncional (como sedentarismo, isolamento social e baixo repertório de atividades diferentes na rotina), e se há histórico de outros episódios depressivos prévios. Além dos efeitos emocionais, a tristeza profunda e persistente também ativa a resposta ao estresse e aumenta processos inflamatórios, que comprometem o sistema imune e altera neurotransmissores ligados ao humor. A literatura em epigenética mostra que traumas emocionais intensos podem gerar mudanças duradouras na expressão dos genes, afetando a resposta ao estresse por anos.
- Do contrário, é possível uma pessoa se curar de uma doença após estímulos de amor e felicidade? Se sim, como isso funciona?
R: São alguns fatores, entre outros, que podem contribuir para a melhora da saúde, mas não há evidências que esses sentimentos por si só promovem a cura. Em casos de doenças leves ou nos estágios iniciais de transtornos mentais isso pode ser mais significativo. Emoções positivas — como as geradas por um novo relacionamento saudável — ativam a dopamina, ocitocina e serotonina, promovendo sensação de prazer e motivação, favorecendo a conexão com outras pessoas, melhorando a qualidade do sono, apetite e disposição. Além disso também estimulam a pessoa a adotar comportamentos mais saudáveis. Ainda que não “curem” doenças graves por si só, amor, alegria e vínculo afetivo positivo atuam como importantes fatores protetores e complementares ao tratamento médico, acelerando a recuperação.
- Há pesquisas que comprovem o impacto positivo das emoções na saúde?
R: Sim. Alguns exemplos de estudos que comprovam essa relação:
* Idosos com maior senso de propósito na vida apresentam menor risco de mortalidade;
* Relações sociais fortes e apoio emocional estão associados à redução da inflamação e melhora da resposta imune;
* Intervenções psicológicas (como a terapia cognitivo-comportamental) podem melhorar a expressão de genes ligados à defesa imunológica e reduzir marcadores inflamatórios.
- O que acontece com o corpo quando uma pessoa se apaixona?
R: Apaixonar-se desencadeia uma série de alterações neuroquímicas e hormonais, como:
– Aumento de dopamina (prazer e recompensa);
– Liberação de ocitocina e vasopressina (vínculo e confiança);
– Elevação inicial de adrenalina e cortisol (ansiedade, euforia, sudorese, taquicardia), que depois de 6-12 meses se normalizam;
– Ativação de áreas cerebrais associadas ao prazer e motivação: área tegmentar ventral, núcleo accumbens, córtex cingulado anterior.
Essas reações são semelhantes às observadas no uso de substâncias psicoativas — o que explica a euforia e o foco intenso no parceiro(a). Com o tempo, a estabilidade emocional tende a reduzir o cortisol, promover relaxamento e bem-estar sustentado.
- Uma pessoa apaixonada ou muito feliz tem a imunidade fortalecida? Como funciona?
R: Podem ser fatores que favoreçam a imunidade. Emoções positivas modulam a expressão de genes envolvidos na função imune. Um estudo de 2019 mostrou que o início de um relacionamento afetivo alterou a transcrição gênica em leucócitos (células de defesa do corpo), promovendo aumento da resposta antiviral, melhora na ativação e migração de células imunes e redução da expressão de genes pró-inflamatórios. A ocitocina também participa desse processo, favorecendo a regeneração celular e a regulação da inflamação. Assim, estar feliz ou apaixonado pode melhorar a resistência a infecções e modular o equilíbrio imunológico, mas ainda são evidências científicas limitadas.
- Uma decepção amorosa pode acarretar disfunções no corpo? De que tipo e por quê?
R: Sim. Uma decepção amorosa é percebida pelo cérebro como um evento estressor relevante. Isso desencadeia reações biológicas que podem, se persistirem por muito tempo, levar a adoecimento físico:
– Aumento de cortisol e noradrenalina (estresse);
– Elevação da pressão arterial e frequência cardíaca;
– Desregulação imunológica e aumento da inflamação;
– Desequilíbrio metabólico (ganho de peso, resistência à insulina);
– Queda na neuroplasticidade (diminuição de BDNF, fator de crescimento neural).
O sofrimento prolongado pode desencadear, inclusive, transtornos psiquiátricos e agravar doenças preexistentes. A ausência de rede de apoio, estilo de vida disfuncional, antecedentes familiares e episódios prévios de transtornos mentais elevam esse risco.
- É possível uma pessoa “morrer de amor”?
R: Literalmente, não. Mas um estresse emocional intenso pode desencadear eventos cardíacos graves em pessoas especialmente vulneráveis — como infarto agudo do miocárdio ou AVC. Há, inclusive, uma condição chamada “Síndrome do Coração Partido” (ou Cardiomiopatia de Takotsubo), caracterizada por falência temporária do ventrículo esquerdo, com sintomas similares ao infarto. Embora reversível, essa condição é potencialmente fatal.