Especialista da Inspirali explica o significado e a importância desta abordagem
Criados para promover acolhimento e qualidade de vida para pacientes e familiares, os cuidados paliativos são, ao contrário do que se pensam, aplicados durante todo o curso de uma doença mais grave, desde o diagnóstico, independente da possibilidade de cura. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estes cuidados são uma abordagem que previnem e aliviam o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais.
Recentemente, o Brasil deu um passo importante no tratamento de pacientes com doenças graves ao oficializar a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) no Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, ainda há muitas incertezas sobre o funcionamento prático deste tipo de tratamento. Para esclarecer dúvidas sobre o tema, a Inspirali, ecossistema que atua na gestão de 15 escolas médicas em diversas regiões do Brasil, contou com informações da Dra Henriana Soares Serra Médica infectologista da Una Tucuruí. Confira:
– O que são cuidados paliativos?
R: Os cuidados paliativos (CP) são uma abordagem abrangente que visa melhorar a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Eles atuam na prevenção e alívio do sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais. Os cuidados paliativos consideram a doença ameaçadora à vida como qualquer condição (aguda ou crônica) com alto grau de mortalidade, que prejudica a qualidade de vida e a funcionalidade da pessoa, gerando sintomas ou efeitos adversos de tratamentos, dependência de cuidados e possível sobrecarga do cuidador.
– Quando esses cuidados são aplicados?
R: Os cuidados paliativos são aplicáveis durante todo o curso da doença, desde o momento do diagnóstico de uma condição que ameace a vida, independentemente da possibilidade de cura. Não são restritos à fase final da vida. Documentos oficiais afirmam que ao invés de se pensar ou indicar CP somente na terminalidade da vida, atualmente o conceito e a indicação se relaciona ao sofrimento de uma doença grave. Desta forma, deve ser ofertado em todos os níveis de assistência (primário, secundário e terciário) e nos diferentes pontos da rede de assistência (atenção básica, domiciliar, ambulatorial, hospitalar e urgência e emergência). Isso significa que um paciente com um diagnóstico de câncer recém-confirmado, por exemplo, já pode se beneficiar de cuidados paliativos para manejo de sintomas, apoio psicológico e planejamento de cuidados, mesmo enquanto recebe quimioterapia ou radioterapia.
– Os cuidados paliativos substituem um tratamento convencional?
R: Não, os cuidados paliativos não substituem os tratamentos convencionais (ou curativos). Pelo contrário, eles devem ser integrados precocemente e aplicados concomitantemente aos cuidados que buscam a cura ou o controle da doença. O Manual de Cuidados Paliativos afirma que, neste contexto, os cuidados paliativos não devem substituir os cuidados curativos apropriados, entretanto, preconiza-se uma melhor e mais precoce integração dos CP com o tratamento modificador de doença e reforça que podem ser oferecidos concomitantemente aos cuidados curativos. A ideia é que, enquanto o tratamento convencional foca na doença, os cuidados paliativos se concentram na pessoa, otimizando seu bem-estar e qualidade de vida durante todo o processo de adoecimento. Por exemplo, um paciente com insuficiência cardíaca grave pode continuar recebendo seus medicamentos para o coração enquanto uma equipe de cuidados paliativos o auxilia no manejo da dispneia, fadiga e na discussão sobre seus objetivos de cuidado.
– Qual é o objetivo deste modelo?
R: O principal objetivo dos cuidados paliativos é melhorar a qualidade de vida de pacientes e seus familiares. Isso é alcançado por meio de:
- Prevenção e alívio do sofrimento: Atuando sobre a dor e outros sintomas físicos, psicossociais e espirituais.
- Identificação precoce e avaliação correta: Para que as intervenções sejam oportunas e eficazes.
- Suporte: Ajudando os pacientes a viverem o mais plenamente possível até o fim da vida e oferecendo apoio à família durante a doença e no processo de luto.
- Determinação dos objetivos do tratamento: Facilitando a comunicação eficaz para que pacientes e famílias definam seus objetivos.
Um exemplo prático seria um paciente com uma doença neurológica progressiva que, por meio dos cuidados paliativos, tem seus sintomas controlados, recebe apoio psicológico para lidar com as mudanças na funcionalidade e, com a família, planeja o que é mais importante para ele, garantindo que suas vontades sejam respeitadas.
– Por quem ele deve ser aplicado?
R: Os cuidados paliativos devem ser aplicados por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar. A abordagem pode ser fornecida por profissionais com treinamento básico em cuidados paliativos (cuidados paliativos gerais) em qualquer ponto de atenção à saúde. Para casos mais complexos, há equipes especializadas em cuidados paliativos.
Isso significa que, um médico da atenção primária pode fornecer cuidados paliativos gerais, como manejo básico da dor e comunicação de prognóstico, enquanto um caso de dor neuropática refratária em um paciente com câncer pode exigir a intervenção de um especialista em dor de uma equipe de cuidados paliativos.
– Existe uma especialidade médica para este tipo de cuidado?
R: Sim, existe uma especialidade médica e outras áreas de atuação para este tipo de cuidado. A área de cuidados paliativos tem evoluído e se consolidado como uma especialidade e subespecialidade, exigindo formação específica. Além disso, a formação em cuidados paliativos está sendo cada vez mais integrada aos currículos de graduação. Isso mostra que, enquanto todos os profissionais de saúde devem ter conhecimentos básicos em CP (cuidados paliativos gerais), a área conta com especialistas (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, etc.) que oferecem cuidados paliativos especializados para situações de maior complexidade.
– Qual o perfil dos pacientes que recebem estes cuidados?
R: O perfil dos pacientes que recebem cuidados paliativos é bastante amplo, abrangendo qualquer pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, a partir do diagnóstico desta condição. Isso inclui crianças, adultos e idosos e diversos tipos de doenças, como câncer, síndrome demencial, doença cerebrovascular, HIV, doenças pulmonares, causas externas (acidentes), parto prematuro ou com trauma e má formações congênitas, entre outros. Isso demonstra que os cuidados paliativos não se limitam apenas a pacientes oncológicos ou aqueles em estágio terminal, mas sim a um vasto espectro de condições e idades, como uma criança com fibrose cística ou um idoso com demência avançada.
– Como a família deve ser envolvida neste tipo de cuidado?
R: A família é considerada uma unidade de cuidado e seu envolvimento é fundamental e multidimensional nos cuidados paliativos. Os CP visam oferecer suporte ao paciente em seu próprio luto, bem como apoio à sua família e cuidadores.
A família é envolvida através de:
- Comunicação eficaz: Para que os familiares compreendam o cenário clínico, o prognóstico e as opções de tratamento.
- Tomada de decisão compartilhada: Em que os desejos e valores do paciente e da família são considerados.
- Reuniões familiares: Espaços pré-agendados para discussão de diversos assuntos, resolução de problemas e planejamento de cuidados.
- Suporte ao cuidador: Reconhecendo e intervindo no estresse do cuidador, que muitas vezes assume um papel sobrecarregado.
- Apoio ao luto: Oferecendo suporte durante o luto antecipatório e após o óbito do paciente.
Por exemplo, em uma reunião familiar, a equipe pode explicar a progressão da doença, ouvir as preocupações dos familiares, e juntos, decidir sobre as prioridades do cuidado, como o local de preferência para o paciente passar seus últimos dias.
– Quais os principais benefícios dos cuidados paliativos?
R: Os cuidados paliativos trazem múltiplos benefícios para pacientes e seus familiares, impactando diversas dimensões da experiência de adoecimento. Além disso, também auxiliam no suporte ao luto, impacto positivo no curso da doença e dignidade humana, garantindo cuidados adequados e dignos aos pacientes, alinhados com suas preferências e demandas. Um exemplo notável é a experiência de famílias que se sentem mais preparadas e menos sobrecarregadas ao lidar com a doença de um ente querido, sabendo que seus desejos foram ouvidos e que o sofrimento foi minimizado.
– Os cuidados paliativos podem curar um paciente? Existem casos?
R: Os cuidados paliativos, por definição e princípio, não têm como objetivo a cura da doença que ameaça a vida. Sua finalidade é a prevenção e o alívio do sofrimento, e a melhoria da qualidade de vida. Embora os cuidados paliativos não curem a doença, sua integração com os tratamentos curativos pode levar a melhores desfechos clínicos e até mesmo influenciar positivamente a sobrevida, não por uma “cura” da doença em si, mas por um manejo mais eficaz de sintomas, redução de estresse e melhor qualidade de vida que, por sua vez, pode fortalecer o paciente para o tratamento da doença. Por exemplo, um paciente que recebe CP desde o diagnóstico de câncer, tem seus sintomas (dor, náuseas) controlados e apoio psicossocial, pode ter melhor adesão à quimioterapia e, consequentemente, uma resposta mais favorável ao tratamento e maior sobrevida, do que um paciente que não recebe esse suporte e lida com sofrimento intenso que o incapacita.
– Como os médicos se preparam para aplicar este tipo de cuidado? Existe alguma metodologia a ser seguida dentro do curso de medicina?
R: A preparação dos médicos para aplicar cuidados paliativos envolve tanto a aquisição de conhecimentos técnicos quanto o desenvolvimento de habilidades de comunicação e humanização. No Brasil, essa preparação tem passado por importantes avanços. A inclusão dos CP como matéria obrigatória no curso de graduação em medicina é um passo crucial para garantir que todos os futuros médicos tenham uma base sólida para aplicar esses cuidados, desde os mais gerais até o encaminhamento adequado para especialistas.